A morte, inerente à condição humana, é um tema que desperta uma série de emoções e reflexões ao longo dos séculos. Compreender a origem linguística desses termos nos permite mergulhar nas profundezas culturais e históricas da humanidade, rastreando como as diversas civilizações abordaram e nomearam esse fenômeno inevitável.
Embarcaremos em uma jornada linguística fascinante para explorar a raiz etimológica de palavras relacionadas à morte, revelando assim uma compreensão mais profunda de como a mortalidade tem sido concebida e expressada através da linguagem.
» Assassinato – vem da palavra árabe para haxixe, porque uma gangue de bandidos medievais, usualmente entorpecidos pelo haxixe, praticava assassinatos por motivação política ou religiosa.
» Ataúde – vem do árabe at-tabut, “a caixa, a arca”.
» Autópsia – vem do grego autos, “própria”, e opsis, “olhar”, formou-se autopsia, “olhar para si mesmo”. Trata-se de neologismo criado pelos primeiros legistas, que entendiam ser a autópsia uma forma de observar a si mesmo de dento de um cadáver.
» Cadáver – Alguns autores defendem que a palavra vem de uma expressão latina, “carne data vermem“, que significa “carne dada aos vermes”. É, pois, uma composição que extrai a primeira sílaba de cada uma das palavras em latim “CArne DAta VERmem”. Hoje é defendido por etimologistas que a palavra deriva da raiz latina “cado”, que significa “caído”.
» Cripta – em grego, kryptós significava “escondido, oculto, secreto”. Daí temos “cripta” em nosso idioma, basicamente “câmara subterrânea”, mas quase sempre usada em assuntos post-mortem e histórias de terror em geral. Pelo latim crypticus temos “críptico”, ou seja, “aquilo que tem significados ocultos”, agora muitas vezes com conotação de “difícil de entender”. Outro derivado é apócrifo, que é o texto de autoria escondida, isto é, desconhecida.
» Defunto – O defunto é aquele que deixou de cumprir sua missão no mundo, é aquele que não exerce mais a sua função (functio, em latim), e já está em outra. A expressão latina usada era functus morte, aquele que já experimentou a morte, ou simplesmente functus.
» Desastre – do francês desastre, “desastre”, com os sinônimos desgraça e calamidade. Mas suas raízes etimológicas são anteriores e apontam para a antiguidade greco-latina. Falamos mais sobre a palavra “desastre” aqui.
» Carrasco – vem do nome do mais famoso torturador de Lisboa – Sebastião Nunes Carrasco.
» Esquife – do longobardo skif, “barco estreito”. A palavra, além do significado de “caixão de defunto” ainda mantém o de “pequena embarcação”, em geral levada a bordo de outra maior e usada para se ir desta à terra, em lugares onde não há cais de atracação. Continua sendo um modo de transporte entre uma vida e outra.
» Fantasma – do grego phantázein, “fazer aparecer”, por sua vez derivada de phaínein, “mostrar”. Esta palavra e seu sentido são ligados a phos, “luz”, pois a presença dela nos mostra o que há para ver.
Uma palavra aparentada de “fantasma” é “fantasia”, querendo dizer algo que não é real, que só existe na imaginação. Passou também a significar “disfarce usado em festas”. Muitas vezes os fantasmas são descritos como seres meio transparentes; eles são diáfanos, do grego dia, “através” e phaínein. Ou seja, pode-se enxergar através deles. “Ser mostrado, aparecer”, era dito, em grego, phainomai. Em latim, esta palavra gerou phenomenon, que inicialmente tinha o sentido “tudo aquilo que é percebido pelos sentidos”.
» Fatal – usa-se como “causador de morte” desde cerca de 1430. Vem do latim fatum, “sentença divina”, derivado do verbo fari, “falar”. E este vem do Indo-Europeu bha-, “falar”. Não é raro ler nos jornais sobre “as vítimas fatais” num acidente. Elas não podem ser fatais, já que elas não causam morte. Fatal foi o descuido, o buraco na estrada, o álcool ingerido, o rompimento da peça do carro que levou ao acidente.
» Féretro – outra palavra correlata que caiu em desuso é féretro, o “caixão de defunto”. Ela vem do grego phero, “levar, conduzir”, através do latim ferre, do mesmo significado, “conduzir” para o mundo subterrâneo.
» Fúnebre – essa palavra vem do latim funus, “morte, enterro”. Funéreo é seu sinônimo.
» Matar – de origem controversa, este vocábulo pode ser vindo tanto do latim mactare, imolar as vítimas sagradas, quanto do árabe mat, “morto”. Deriva da expressão religiosa mactus esto – “santificado sejas”, ou “honrado sejas”, que se dizia aos deuses enquanto se imolava uma vítima (um animal, obviamente); daí resultou o verbomactare, que significava “imolar uma vítima aos deuses” e, depois, qualquer tipo de assassinato.
» Morte – vem diretamente do latim mors. Em épocas mais recuadas, quando ela se fazia presente de modo mais visível, o Indo-Europeu criou a raiz mor-, “morrer”, da qual descendem as palavras atuais sobre a matéria. Dentre elas, mortandade, “número elevado de mortes, massacre”, que veio do latim mortalitas, “mortalidade”. Dessa mesma palavra em latim veio mortalidade, “condição do que é passível de morrer”.
» Óbito – quando alguém morre é preciso fazer um atestado de óbito. A palavra “óbito” vem do verbo latino obire que, desmembrado, significa ‘ir’ (ire) “na frente” (ob). Quem morre vai na nossa frente, e não parece querer voltar. Obire diem, em latim, significa chegar no dia combinado, na hora certa. Por isso falamos também, com um eufemismo, que cada um tem sua hora de partir.
» Pêsames – a palavra “pêsames”, plural de “pêsame”, vem da forma verbal “pesa”, associada ao pronome “me” (“pesa-me”). No caso, o verbo “pesar” tem o sentido de “causar desgosto” – “Pesa-me muito vê-lo sofrer”. De “pesa-me” surgiu “pêsame”, hoje mais comum no plural (pêsames). A palavra vem diretamente do espanhol – pésame.
» Sarcófago – a palavra “sarcófago” vem do grego sarkophágos, sarx (carne) + phágos (comer), significando literalmente “comedor de carne”. Este termo era usado no mundo antigo como denominação de um determinado tipo de pedra calcária usada para fabricação de urnas funerárias que tinha a propriedade de causar uma rápida decomposição.
» Sepulcro – o sânscrito sapati, “ele serve” gerou o grego hepein, “cuidar, providenciar”. Descende daqui a palavra latina sepelire, “fazer desaparecer, enterrar”, a qual gerou sepulchrum, que não precisamos traduzir. A palavra “sepélio” era bastante usada até uns tempos atrás, mas agora parece estar restrita apenas ao falar culto. Na época em que os enterros eram anunciados por cartazes muito sérios, em preto e branco, colados nos postes do bairro do falecido, era comum ler-se que “o sepélio se dará a tais horas…” O particípio passado de sepelire era sepultus, “enterrado”, de onde temos sepultura.
» Tumba – vem do grego tymbe, “tumba, local de enterro”, do verbo tymbeúo, “enterrar”. Esta palavra é relacionada com o latim tumere, “inchar”. Daqui veio “intumescer” em português.
» Túmulo – Tumulus em latim significava “altura, elevação, monte de terra”. Sempre que se enterra algo fica um montículo sobre a escavação, como um inchaço. Por isso, essa palavra passou a indicar “terra amontoada” e depois qualquer lugar onde se coloca uma pessoa para o seu “descanso final”.
» Vítima – do latim victima, que era a pessoa, ou animal, imolada em holocausto aos deuses, aquela ofertada em ação de graças.