Idiomas são elementos vivos, que mudam o tempo todo para sobreviver, uma língua também depende do poder político de seu povo.
À medida que se espalhavam pela Terra, grupos de Homo sapiens deixaram de conviver entre si e o seu jeito de falar também mudou. É que as línguas vivem em movimento. “Por que se separaram ninguém sabe, mas eles começaram a desenvolver características próprias de linguagem, mudar a fonética”, explica Thomas Finbow, professor de linguística da Universidade de São Paulo. E, sem contato nenhum, ao longo do tempo, o jeito de falar mudou tanto que eles já não conseguiam mais se entender.
Passaram a falar idiomas completamente diferentes. Essa mudança acontece quase sem querer — cada povo cria novos vocabulários e altera a pronúncia das palavras naturalmente, com o passar dos anos. “Isso pode ocorrer até por uma questão de eficiência articulatória — por exemplo, por ter um gasto energético menor ao colocar a língua de tal jeito na boca”, afirma Finbow.
Ou seja: as línguas se tornam cada vez mais fáceis. “E é natural. Você não fala como seu avô”, conclui o linguista. Mas não é só o isolamento que divide os povos e altera os idiomas. Questões políticas, guerras e religião também criaram intrigas e afastaram grupos ao longo da história. Povos dominados ou minoritários perderam espaço e só viram uma saída: adotar as línguas dominantes. Só que, como nada é exato no mundo da linguagem, essa mistura toda mudou ainda mais os idiomas, que se fundiram e geraram outros completamente diferentes.
Nasce e morre
“Tem uma frase boa que diz: uma língua é um dialeto com exércitos. Um idioma só morre se não tiver poder político”, explica Bruno L’Astorina, da Olimpíada Internacional de Linguística. E não dá para discordar. Basta pensar na infinidade de idiomas que existiam no Brasil (ou em toda a América Latina) antes da chegada dos europeus — hoje são apenas 227 línguas vivas no país. Dominados, os índios perderam sua língua e cultura.
O latim predominava na Europa até a queda do Império Romano (ou até mesmo antes disso). Sem poder, as fronteiras perderam força, os germânicos dividiram as cidades e, do latim, surgiram novos idiomas. Por outro lado, na Espanha, a poderosa região da Catalunha ainda mantém seu idioma vivo e luta contra o domínio do espanhol.
Não é à toa que esses povos insistem em cuidar de seus idiomas. Cada língua guarda os segredos e o jeito de pensar de seus falantes. “Quando um idioma morre, morre também a história. O melhor jeito de entender o sentimento de um escravo é pelas músicas deles”, diz Luana Vieira, da Olimpíada de Linguística. Veja pelo aimará, uma língua falada por mais de 2 milhões de pessoas da Cordilheira dos Andes.
Nós gesticulamos para trás ao falar do passado. Esses povos fazem o contrário. “Eles acreditam que o passado precisa estar à frente, pois é algo que já não visualizamos. E o futuro, desconhecido, fica atrás, como se estivéssemos de costas para ele”, explica.
E o português?
Quando os portugueses desembarcaram no Brasil, a língua falada por eles ainda era relativamente nova. Uns quatro séculos antes, imperava pela Península Ibérica o latim vulgar (não o literário, mais clássico e erudito) — um resquício da força e dos anos de dominação do Império Romano. Mas, como aconteceu em tantos outros cantos da Europa, os povos começaram a mudar a pronúncia de uma ou outra palavra.
“E as modificações se davam não somente porque os órgãos de fonação sentiam dificuldades em reproduzir sons estranhos, mas também porque o ouvido percebia mal certos sons que lhe não eram familiares”, conta o filólogo Evanildo Bechara no artigo “Estudos da Língua Portuguesa”.
Esses idiomas descendentes do latim começaram também a misturar sons de outras línguas — na região de Portugal, os árabes tomaram o controle por um tempo, seguidos pelos galegos. E o latim vulgar passou a latim hispânico, que se transformou em português galego. Foi só lá pelo século XII que o país começou a se libertar das amarras políticas externas e ganhar independência.
E como um idioma só se mantém vivo na marra, Portugal conseguiu dar à luz o português. Quando chegaram por aqui, nossos colonizadores atropelaram as línguas indígenas. Em 1534, começaram a instalar capitanias hereditárias, catequizar nativos e ensinar, oralmente, o novo idioma a todos eles (e aos escravos). Em 1758, o português se tornou a língua oficial do Brasil. Porém, esse ensinamento oral deixou suas marcas, e não levou muito tempo para que as línguas dos dois países se diferenciassem — na fonética e na gramática.
Por Revista Galileu