“Se há algo que verdadeiramente te apaixona, faça! O trabalho duro e a paixão podem te levar muito mais longe do que você imagina”
Nessa entrevista para a revista colombiana Dinero, o empreendedor guatemalteco Luis Von Ahn, fundador da plataforma de educação online mais utilizada do planeta, compartilhou sua visão sobre o empreendimento e a tecnologia na América Latina, assim como o impacto que o Duolingo tem no mundo.
Para os guatemaltecos ele é um herói, para os latinos e para o mundo é um homem de visão. Ele é um dos latino-americanos que mais alto chegou no disputado mercado tecnológico mundial. Quando tinha oito anos, na Cidade da Guatemala, sua mãe o presenteou com um computador ao invés de um vídeo-game.
Cinco anos depois ele estava criando seus próprios jogos. Ao sair do colégio, quis estudar Matemática, porém não encontrou nenhuma universidade na Guatemala que oferecesse essa graduação e assim foi preciso ir aos Estados Unidos, onde chegou como bolsista.
Esse doutor em Ciências da Computação, formado pela Universidade Carnegie Mellon, que se deu ao luxo de negar ofertas de trabalho lideradas por pessoas como Bill Gates, é também o criador dos sistemas Captcha y Recaptcha, usados na internet para garantir que quem está navegando é realmente um humano e não um robô.
São essas letras ou sequências de imagens que antecedem milhões de ações na web, que além de confirmar que quem navega é um humano, também é usada, sem que os usuários notem, para digitar livros.
Em 2009 este sistema foi adquirido pela Google e imediatamente Luis Von Ahn se colocou a trabalhar em sua próxima invenção que se mantém a todo vapor até hoje. Duolingo é a plataforma de educação mais utilizada no mundo. Mais de 200 milhões de usuários aprendem idiomas gratuitamente, completando mais de 7 milhões de exercícios todos os meses.
Luis Von Ahn compartilhou sua visão sobre o empreendimento na América Latina e também sobre a preparação do Duolingo para sua entrada na bolsa de valores com uma estimativa de US$ 700 milhões em valor de mercado.
Qual momento em sua vida que permitiu que você passasse de um estudante latino-americano a um empreendedor de nível internacional?
Não foi só um momento em minha vida, mas também foi a minha história. Nasci e cresci na Guatemala. Meus pais eram médicos e minha família era dona de uma fábrica de doces onde passei muito tempo quando criança, provando doces e arruinando as máquinas. Me mudei para os Estados Unidos em 1996 para estudar na Duke University, onde me graduei em Matemática. Após me formar em Duke, fui para Carnegie Mellon University para obter meu PhD em Ciências da Computação. Lá, junto a outros colaboradores, inventei o Captcha. Captchas são essas letras embaralhadas que vemos por toda a internet e a todo momento antes de enviar dados ou mesmo fazer algum cadastro.
Em 2004 vendi minha primeira companhia para o Google (The ESP Game) e em 2009 vendi a segunda (reCAPTCHA). Depois da segunda venda, trabalhei dois anos nos escritórios do Google em Pittsburgh e no Vale do Silício. Esta foi uma valiosa experiência na qual aprendi muito. Sem dúvida, durante esse tempo, ainda tinha ambições empresariais e sabia que queria criar algo que tivesse um impacto positivo no mundo. Afinal, me decidi a ajudar a transformar a educação e por isso iniciei o Duolingo.
Me inspirei em minha educação na Guatemala, um país pobre onde as oportunidades educativas de alta qualidade são limitadas a quem tem dinheiro. Por ser a educação uma área muito ampla, optei por focar no ensino de idiomas, que é muito popular no mundo inteiro. Para ter uma ideia: há mais de 1 bilhão de pessoas no mundo que estão aprendendo outro idioma, e cerca de 800 milhões dessas pessoas estão aprendendo inglês para sair da pobreza. Com tudo isso em mente, co-fundei o Duolingo em 2011 com a missão de levar a educação gratuita de idiomas para todos.
Passaram-se sete anos desde que você criou o Duolingo. Agora é a plataforma de educação online mais utilizada do planeta. Como você acredita que impactou o mundo?
Hoje em dia, Duolingo tem mais de 200 milhões de usuários. Entre eles, algumas das pessoas mais ricas do mundo, como Bill Gates, assim como alunos de escolas públicas em países da América Latina. Todos os dias usuários do Duolingo nos escrevem sobre o impacto da aplicação em suas vidas. Recentemente criamos um documentário, “Something Like Home” (“Um lugar longe de casa”), sobre como a barreira dos idiomas afeta a vida dos refugiados sírios que são usuários do Duolingo.
Como está indo a companhia, o que você estão fazendo?
Duolingo cresceu muito como empresa. Atualmente tem mais de 115 funcionários, já arrecadamos US$ 108,3 milhões em capital e a companhia está avaliada em US$ 700 milhões. Esperamos entrar na bolsa de valores nos próximos anos.
Neste ano estamos focados em três objetivos principais: 1) fazer de nosso aplicativo um negócio sustentável; 2) ensinar idiomas da maneira mais efetiva possível; e 3) expandir nosso ensino para outros tipos de conteúdo e experiências, como nosso podcast, Duolingo Stories e Eventos locais.
Que características ou habilidades básicas deveria ter uma pessoa interessada em trabalhar em uma companhia fundada por você?
Minha filosofia para contratar no Duolingo é que é melhor deixar o posto aberto que contratar a pessoa equivocada. É muito importante que todos os empregados do Duolingo não só sejam qualificados para seu trabalho, mas também que sejam pessoas agradáveis. Acredito que é melhor ter uma vaga aberta por um tempo maior que registrar alguém que trará um impacto negativo para a equipe. Isso faz uma grande diferença na moral e na cultura da empresa.
Como vocês veem a Colômbia no Duolingo, quantos usuários tem nesse país?
Colômbia é nosso quarto maior mercado, com 15,1 milhões de usuários. Um de nossos usuários mais “famosos” da Colômbia é Edilson García Vargas. Edilson é o único vigilante registrado como guarda bilíngue na Superintendência de Segurança Nacional e Vigilância Privada de Medellín. Ele começou a estudar inglês com Duolingo e o aprendeu em três meses. Logo começou a estudar italiano, português, alemão e japonês. No total, Edilson aprendeu cinco idiomas através do Duolingo, tudo de maneira gratuita.
Recentemente ele conseguiu um trabalho como professor na academia de segurança mais importante de Medellín. Lá, Edilson ensina inglês básico aos estudantes, além de continuar com seu trabalho como segurança. Há muitas histórias como esta que contam como um aplicativo gratuito como Duolingo fez a diferença na vida das pessoas.
O que você mantém em sua vida nos últimos 30 anos, desde menino na Cidade da Guatemala?
Aprendi muito com minha família quando estava vivendo na Guatemala. Pelo fato de minha família ser dona de uma fábrica de doces, estive exposto ao empreendedorismo desde muito jovem. Também tive um grande interesse, desde pequeno, em computadores e tecnologia, pois minha mãe comprou e meu deu meu primeiro computador quando eu tinha apenas oito anos, daí surgiu esse meu interesse pela informática.
Como você vê a educação nos próximos anos?
O que mais me interessa são as ferramentas de inteligência artificial (IA) e a aprendizagem automática (“machine learning”) na educação. Muitas pessoas pensam que a educação cria igualdade, mas acredito que atualmente é o contrário, já que nem todos têm acesso a mesma qualidade de ensino. A IA mudará isso e fará com que a educação seja igualitária. No futuro, acredito que a IA poderá se comparar a qualidade de um professor humano e aí então todos teremos o mesmo acesso a essa melhor educação.
Com tudo o que vimos na última década, há muitas pessoas desenvolvendo ferramentas e empreendendo, o que essas pessoas deveriam evitar?
Meu conselho é evitar ampliar demais. Antes de co-fundar o Duolingo, eu sabia que queria criar algo que pudesse impactar a vida de muitas pessoas através da educação. Porém, essa é uma categoria muito ampla e eu sabia que teria que focar em uma só área para começar, foi assim que optei por me concentrar no ensino de idiomas.
Há pessoas que querem ser líderes e mudar o ambiente a sua volta. Quais são os conselhos que você os daria?
Se há algo que verdadeiramente te apaixona, faça! O trabalho duro e a paixão podem te levar muito mais longe do que você imagina.
O que você acredita que nos falta na América Latina para criar um ecossistema sólido de tecnologia e empreendedorismo como o que está acontecendo em outras partes do mundo?
Durante muito tempo, houve uma relativa falta de inovação entre os empresários da América Latina, ainda que a região seja responsável pelo surgimento de alguma das pessoas mais criativas e bem-sucedidas do mundo. Há muitas razões e teorias sobre isso, mas acredito que uma razão importante é que muitas vezes não há investimentos ou dinheiro suficiente para financiar as ideias de pessoas talentosas em nossa região. O que precisamos é de um ambiente favorável que permita que os empresários invistam em novas ideias e em inovação.