Sim, há uma explicação histórica!

“A língua italiana é muito bela” e não são apenas os italianos que dizem isso, é normal ouvir este comentário. E não fica por aí, muitos se interessam em aprendê-la exatamente por este motivo, por sua sonoridade e musicalidade singular. Esta foi a primeira reação que eu mesmo tive quando a ouvi pela primeira vez.

Mas por qual razão ela se tornou uma língua tão bela? Existe uma explicação histórica para isso? A resposta é sim. Existe e explicarei ao longo deste texto.

Os italianos adoram utilizar a palavra bello para tudo que está bem. E na Itália a beleza é algo primordial, inerente ao país e isso inclui o idioma.

Língua dos Poetas

Trata-se de uma língua apaixonante que pode seduzir a gente completamente, e até mesmo mudar nossas vidas. Alguns se aventuram em mudar para a Itália e outros se matriculam em cursos, tentando com muita dedicação pronunciar os belos sons do idioma, como na palavra abbraccio (abraço).

Há também aqueles que gostam de passar horas ouvindo antigas canções e óperas italianas.

Não é obra do acaso. O italiano, tal como o conhecemos hoje, estava predestinado a encantar, atrair e seduzir. E isso se deve ao fato dele ter sido criado por poetas, artistas que deixaram suas marcas no país e moldaram os sons característicos no idioma.

O italiano tem uma história única surgida de sua situação geopolítica. Em comparação com outros países ocidentais europeus semelhantes, sua unificação chegou relativamente tarde, em 1861.

Espanha e França se unificaram bem antes e tinham já definidos os idiomas de governo e administração. O italiano, por sua vez, estava mais orientado à literatura e até a década de 1950, quando os televisores se tornaram mais comuns, 80% da população italiana ainda usava dialetos locais como primeira língua.

Durante centenas de anos, a Itália atual manteve-se dividida em reinos regionais e carecia de um governo central com uma língua oficial administrativa. Como consequência, o italiano era cultivado apenas pelas pessoas que precisavam dele para se expressar artisticamente.

Influência toscana

Cada região tinha seu dialeto próprio: piamontês, romanesco, napolitano, siciliano, lombardo, para citar alguns, mas foi o toscano que prevaleceu.

E isso também não é uma coincidência. Toscana, com suas lindas colinas, vinhedos e rios entre vales, é uma das regiões mais inspiradoras da Itália.

Foi o berço do Renascimento e segue sendo um epicentro do idioma, da arte, da moda e do turismo. Os moradores da região tem muito orgulho de seu sotaque toscano.

Dante Alighieri escreveu “A Divina Comédia” em seu dialeto Toscano, em vez de Latim.

Dante Alighieri

E o mais famoso poeta, Dante Alighieri, foi quem desempenhou um papel muito importante no desenvolvimento da língua italiana.

Nascido em 1265, ele escreveu o imperecível clássico “A Divina Comédia”, um poema narrativo no qual ele descreveu sua viagem através do inferno, purgatório e paraíso guiado por Beatrice, sua mulher ideal.

Além de seu notável trabalho, Alighieri fez algo radical para seu tempo: ele escreveu a Obra em seu dialeto nativo da Toscana, embora o Latim fosse a língua preferida da elite da época.

Ele mesmo defendeu sua escolha na obra De Vulgari Eloquentia (“Sobre a eloquência vernácula”). Anos depois, foi celebrado como um defensor da sua região e do seu idioma.

Como sabemos, o interesse em seu trabalho não diminuiu por conta disso. Mas ele não foi o único a contribuir para o desenvolvimento da língua italiana em geral.

Petrarca

Nascido em 1304 em Arezzo, Toscana, Francesco Petrarca, citado como o fundador do Humanismo, escreveu muitos poemas de amor em seu dialeto toscano, igual a seu contemporâneo e amigo Bocaccio, o autor de Decameron (“Decamerão”).

Petrarca queria que mais pessoas entendessem sua poesia, mas também desejava mudar a reputação do italiano e mostrar que podia ser tão sofisticado como o Latim, a língua padrão para os intercâmbios intelectuais e artísticos da época.

Hoje, Petrarca pode soar um pouco formal e florido, mas as pessoas da época enlouqueceram com ele, e ainda que poucos leem seus poemas hoje em dia, eles ainda possuem uma importância chave na cultura.

Especialistas dizem que a “melodia” da língua italiana é que a faz tão atrativa.

O impulso de Bembo

No século XV, um veneziano chamado Pietro Bembo, decidiu que Petrarca tinha escrito o italiano mais bonito de todos e que já era hora do idioma finalmente ocupar seu lugar entre as mais importantes línguas literárias do mundo.

Poeta e amante do toscano italiano, Bembo vinha de uma poderosa família aristocrata. Foi secretário do Papa Leão X e logo tornou-se cardeal.

Vivendo em uma cidade medieval chamada de Urbino (agora Patrimônio Mundial da Unesco), Bembo escreveu sua obra mais famosa, Prose della Volgar Lingua (“Prosas sobre a língua vulgar”).

Ali descreveu como compor o mais belo e elevado italiano, o qual tivesse a mesma importância que o Latim, escolhendo a Toscana do século XIV, como seu modelo e Petrarca como seu melhor expoente.

Bembo estava muito interessado na sonoridade e nos exemplos do idioma baseados na obra dos referidos poetas. Falava muito sobre as qualidades da composição e de como encontrar o equilíbrio perfeito entre sons “suaves” e “pesados”. Sua obra foi utilizada para dar forma à linguagem que se fala atualmente por toda a Itália.

Musicalidade do italiano

Para a doutora Patti Adank, professora de linguística da Universidade de Londres, o italiano é um idioma atrativo para o ouvido por sua “musicalidade”.

A língua conta com um número incomum de palavras que terminam em vogais e poucas que têm consoantes seguidas, criando uma sonoridade aberta perfeita para o canto.

Ou como tenha supostamente dito o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico Carlos V: “Falo em espanhol com Deus, em francês com os amigos, em alemão com os inimigos e em italiano com as damas”.

Claro que a reputação da Toscana como epicentro do idioma italiano, possa não passar de uma “propaganda” feita centenas de anos mais tarde.

Sem dúvida alguma, quando Alessandro Manzoni, escritor da primeira novela italiana e pioneiro do italiano moderno, quase estava para terminar seu livro I promessi sposi (“Os Novios”) em 1827, disse que antes de terminá-lo teria que ir a Florença e “lavar” a linguagem do livro no famoso rio Arno, cujas águas dividem a cidade.

Por sorte, agora os viajantes têm a oportunidade de escutar tanto a versão toscana como os múltiplos dialetos regionais que, especialmente ao sul, diferenciam-se muito do italiano tradicional.

De fato, quanto mais longe da Toscana se está, mais acentuada fica a diferença entre os dialetos locais, que mostram influências de uma infinidade de línguas, incluindo grego, árabe, espanhol, francês e inclusive hebraico. Por sorte, a palavra bello é compreendida onde quer que você vá.


Original: How italian became the language of love (em inglês)

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